quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Memórias póstumas de Ewerton Montenegro, por Iriny Lopes, Deputada Federal, PT-ES.

FONTE:Deputada Federal Iriny Lopes - Informativo - Confiança é tudo.

Memórias póstumas de Ewerton Montenegro

18/12/2008

*Iriny Lopes

O jornalista e advogado Ewerton Montenegro fundamentou com sua investigação persistente casos que hoje ainda vêem à tona no Espírito Santo. Foi um dos primeiro a denunciar o Esquadrão da Morte no Estado, lá nos idos de 60, e registrá-lo em livro ‘A Chancela do crime: a verdadeira história do esquadrão da morte’, publicado em 1978. Um homem que fez da luta contra o crime organizado o motivo de sua vida. Foi assistente de acusação das vítimas assassinadas pela Scuderie Le Cocq, ligou-se aos movimentos sociais que se reuniram no Fórum Reage Espírito Santo. E com a união desses movimentos o governo federal decidiu enviar uma missão especial ao estado para investigar a criminalidade organizada em todos os poderes.


Eu tenho uma aversão instintiva e visceral à violência e à corrupção (Ewerton Montenegro)


Ewerton não viveu para ver o resultado de seu esforço. Morreu em 22 de maio de 2002, no início da missão especial, mas praticamente todos os esquemas de corrupção denunciados no Executivo, Legislativo e Judiciário tiveram a mão do advogado e seus valiosos arquivos.

E se estivesse vivo conseguiria enumerar as ligações de muitos personagens que andam figurando na mídia atual. E se fosse um texto, ele diria em suas memórias póstumas:

“Esse Espírito Santo é mesmo curioso. Qualquer pessoa sensitiva bem poderia definir como um lugar com energia densa, onde se dá um passo para frente e dois atrás. A liberdade do coronel Walter Gomes Ferreira, justamente nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (em 10 de dezembro), são dois pra trás, rumo ao passado sombrio desse Estado. Ele não é um boi de piranha, como seus semelhantes (e essa é a diferença conceitual para os iguais) tentam definir. É alguém identificado pela missão especial federal como o braço armado do crime. Dezenas de assassinatos são atribuídos a ele. Isso há muito tempo.

José Carlos Gratz, o braço político do crime, segundo a missão especial, também não é vítima de nada, como fazem soar o mantra de seus semelhantes e, não por acaso, amigos de Ferreira. Anda livre, leve e solto por aí, embora tenha sido condenado em um de seus muitos processos a 15 anos de reclusão em regime fechado. ‘Conheceu virou amigo’ também tem outros amigos, gente bacana, como diria o também amigo deles, um colunista que foi alvo da missão especial federal, numa operação que investigou esquemas de agiotagem e ilícitos diversos, em agosto de 2002.

E quem há de lembrar de Carlos Guilherme Lima, o braço econômico dessa grande quadrilha institucionalizada. Deu cano em pessoas que investiram na corretora Lima & Lima, foi guindado (mesmo sob suspeita) à presidência do Banestes, bancado pelo então governador da época, lá no início dos anos 80, deixando a instituição em petição de miséria. E como quem nasce aos seus não degenera, seu filho atropelou e mutilou o iatista Lars Grael, um escândalo nacional. Nada aconteceu com pai e filho (e nem com o Espírito Santo), embora a justiça tenha determinado pagamento de indenização a Grael.

O crime organizado no Espírito Santo parece aqueles letreiros de bar que, quando os donos querem atestar a qualidade apelam para a antiguidade do estabelecimento e colocam a célebre dica: existe ‘desde 1890’ (por exemplo).

Mas o crime organizado existe no Espírito Santo desde quando mesmo? Não importa a idade, continua rejuvenescido o tal que os semelhantes de Gratz juram que é ficção (seria um acontecimento esotérico? A primeira vez que algo abstrato se corporifica e deixa rombos reais nos cofres públicos). Entra governo, sai governo, ele tá ali. E ainda que alguns queiram enganar os clientes com aquelas placas “sob nova direção”, a gente sabe que a cozinha continua a mesma. E taí o Ferreira, o Gratz (e mais recentemente) os 17 desembargadores do TJ sob suspeita que não nos deixam mentir.

E vamos lá. Se é para abrir o baú, quem não se lembra que o agora deputado estadual Élcio Álvares foi apontado pelo delegado Francisco Badenes (que teve que ser incluído no Programa de Proteção a Testemunhas pelas ameaças de morte sofridas no ES) como “o chefe do crime organizado”. E não vale mais dizer que o Badenes é um maluco, alucinado. A Missão Especial Federal comprovou que ele não estava delirando. O tempo passou, desde 1980, quando Badenes fez aquela revelação. Álvares virou ministro da Defesa de Fernando Henrique e acabou saindo após um escândalo, com acusações na imprensa nacional de ter traficantes entre seus clientes do escritório de advocacia e de sua assessora Solange Resende (desde aquela época até os dias atuais) ser alvo da CPI do Narcotráfico (ler reportagem ‘Buraco na Defesa’, Revista Istoé, 13 de outubro de 1999). Mas o tempo apaga a memória e reabilita reputações. E não é que Élcio Alvarez é eleito deputado estadual e vira líder do governo Paulo Hartung. E mais: caminha para ser o novo presidente da Assembléia Legislativa.

Um à frente, dois atrás. É nesse bolero sinistro que se chega onde está. Afinal a impunidade existe no Espírito Santo desde os primeiros colonizadores chegaram ao estado, escravizaram índios e negros com aquela obsessão secular do capitalismo (que existe desde antes de Cristo) de garantir o ganho de poucos a custa do sacrifício da maioria.

Os colonizadores, agora sob nova direção, ganharam tanto que viraram transnacionais vorazes. Tem lá seus capitães do mato, geralmente nativos, que fazem esse trabalho sujo de perseguir, matar e explorar seus conterrâneos. É a Ópera do Mendigo, de John Gay, ou sua releitura feita por Brecht na Ópera dos Três Vinténs, ou a do Malandro, de Chico Buarque.

Nessa cadeia intrincada do neoliberalismo é natural que se subverta o bolero e se dance dois pra trás e um pra frente (em vez de dois passos para cada lado). Esse descompasso é típico de quem não aceita a cultura da maioria. É o tal dono da bola que termina a partida se lhe colocam na reserva.

E o que dizer então dessa história do Tribunal de Justiça? Justo o Desembargador Frederico Pimentel que muitos de seus pares não queriam na presidência (e só foi porque não teve jeito de driblar o rito processual) foi ser preso, um dia antes de ganhar um prêmio de combate à corrupção e de soltarem o coronel Ferreira.

Muito estranho esse Espírito Santo. Tudo parece ser feito à semelhança, como uma cortina de fumaça para esconder algo maior. O Judiciário, aliás, desde a morte de Alexandre Martins de Castro Filho, mudou de direção, mas manteve sua cozinha intacta, com todos seus instrumentos. Afinal, nesse estado onde tudo pode a cozinha dita o prato, o garçom entrega e se houver qualquer reclamação ou suspeita do serviço, é melhor matar o gerente e o cliente à mudar o cardápio e, de quebra, chamar um cantor para distrair os incautos e todos bailarem a dança do crime: um pra frente, dois pra trás. Isso é tradição, ‘desde ...”

Se Ewerton Montenegro estivesse vivo talvez constatasse com imensa tristeza o que já previa: que muito pouco mudou no Espírito Santo e não se alterará até que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal mergulhem fundo nesse emaranhado criminoso que tomou conta das instituições capixabas.

Por essas e outras que ainda virão: “Valha-me Ewerton Montenegro!”

*Iriny Lopes é vice-presidente do PT nacional, integrante das comissões de Ciência, Tecnologia e Informática e de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados


Obs.: O Claro lamenta não poder divulgar as fotografias por não saber, ainda, postá-las.

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