segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sr.ZÉ DIRCEU ENTREVISTA CRISTOVAM BUARQUE:"A REVOLUÇÃO NO SOCIAL ESTÁ NA ESCOLA."

FONTE: www.zedirceu.com.br

08/09/2008 16:23

Cristovam Buarque Por Cristovam Buarque

A revolução no social está na escola


Para ex-ministro Cristovam Buarque, o grande desafio da esquerda é conscientizar o pobre da importância da educação. Para melhorar o ensino, sugere medidas políticas e carreira nacional do magistério.


A revolução no social está na escola

Para o educador Cristovam Buarque, o grande desafio da esquerda é conscientizar o pobre da importância da educação. Nesta entrevista, o ex-ministro da Educação no primeiro governo Lula e senador pelo PDT avalia como transformadoras as medidas do MEC, mas as considera insuficientes e defende a instituição de um programa para a formação de 100 mil professores por ano para que o país tenha escolas com melhor qualidade e o ensino fundamental se transforme na base que vai preparar os jovens para a educação do futuro.

Nesse modelo, o senador defende que os professores sejam contratados por concurso federal e os salários médios sejam de R$ 4 mil, com carga horária de 5h. Cristovam fala também de política, economia, propõe a mobilização dos partidos de esquerda e a realização de um debate nacional para a escolha dos pré-candidatos a sucessão presidencial, e faz uma análise do governo Lula: “competentíssimo na área de integração política, mas por conta disso, houve um retrocesso no nível de consciência.”

Para ouvir versão editada, clique: parte 1 e parte 2

Zé Dirceu - Cinco anos e meio de Brasil sob governo de esquerda, depois de termos vivido décadas de ditadura e governos conservadores. Qual a sua avaliação do governo Lula?

Cristovam Buarque – Quando comparo o governo Lula com seus antecessores, não tenho a menor dúvida de que se não for o melhor, está entre os dois ou três melhores. Agora, se comparo com o que eu esperava, não é tão bom. Dos outros, nós não esperávamos nada. No caso do Lula, era esperado que houvesse, de fato, mais vigor transformador.

Esse vigor aconteceu na política externa. Aqui há uma diferença concreta. O governo, como sempre defendi, foi conservador na economia. Foi generoso no social, o que acho positivo e, extremamente competente como aglutinador político. O Brasil nunca teve um governo que aglutinasse tanto. Às vezes, acho até que exagera.

Essa aglutinação é o único ponto que eu avalio pior do que os outros, mas por causa da qualidade. O governo desarmou muito a polêmica no debate, a luta de classes. Culturalmente também vejo retrocesso. Pela sua capacidade de aglutinar, não por um defeito ou por reprimir as bases, mas por aglutinar tanto que os intelectuais ficam encabulados.

O governo Lula é bastante competente na economia. Tinha que ser como está sendo, com algumas mudanças, mas muito seguras. Não é igual ao anterior, é melhor. Ousado na política externa, avançado, de esquerda. Generoso, o que é uma forma de esquerda, cristã, no social. Competentíssimo na área de integração política e por conta disso houve um retrocesso no nível de consciência. Vou dar um exemplo: a parte da generosidade levando o Bolsa Família a todos. O governo gerou um retrocesso no nível de consciência da população. Antes, quando ela recebia crédito do Bolsa Escola, com a idéia de que tinha que estudar, pensava “eu recebo o Bolsa Escola porque meu filho estuda”. Agora, pensa “eu recebo o Bolsa Família porque sou pobre”. Isso é um retrocesso. A tomada de consciência do pobre da importância da educação é o grande desafio da esquerda hoje.

Quando éramos jovens, o desafio era tomar o capital do capitalista e dar para o trabalhador. Agora, o principal desafio é pegar o filho do trabalhador e colocar na escola do filho do capitalista. Só que o trabalhador antes tinha a consciência de pegar o capital do capitalista. Hoje, o pobre não tem a ânsia de colocar o filho na escola do rico.

Zé Dirceu – Há alguma medida a curto prazo para reverter essa situação?

Cristovam Buarque – Há muitas medidas de curto prazo e, aliás, que são tomadas. Não considero ruins as políticas feitas pelo Ministério da Educação, que são transformadoras, mas insuficientes. O Fundeb, o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), o IDEB (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica) são iniciativas muito positivas. Falta dizer como levar isso para o Brasil inteiro. A minha proposta é que esse processo se dê por partes. Cheguei a iniciar em 29 cidades os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) do Lula, só que não se chamou assim. Era um CIEP por cidade. Você chega na cidade e todas as escolas são em horário integral, com equipamentos modernos. A gente concentra no ensino fundamental, porque os meninos que chegarem no 2º grau sem um bom ensino fundamental não vão aproveitar a nova educação. Nesse modelo, as escolas teriam professores selecionados através de um concurso federal, criando uma carreira nacional do magistério.

É uma medida para ser iniciada no curto prazo mas que leva 20 anos para concluir. Eu proponho a contratação de 100 mil professores por ano nessa nova carreira. Os que estão aí, se quiserem podem fazer o concurso, mas se não passarem, não entram. Contratando 100 mil, dá para pagar R$ 4 mil por mês. Pegar o plano de cargo e salário do Colégio Pedro II (colégio público do Rio de Janeiro considerado modelo) e colocar para 100 mil professores, incluindo reforma de escola, porque o número vai subindo. Você põe 3 milhões de crianças com 100 mil professores dessa nova carreira. No ano seguinte, mais 100 mil. O número dessas crianças vai crescendo e em 20 anos é possível cobrir o Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, continuar o que está sendo feito. A Educação não está pior do que antes. A sensação do pior é porque as exigências hoje são maiores do que antes.

Zé Dirceu – E a consciência também.

Cristovam Buarque – A consciência de que é importante... É fácil falar, eu sei, politicamente é fogo. Os sindicatos certamente não vão apoiar. Nos primeiros anos, vamos ter dificuldades para conseguir 100 mil professores, porque não vai ter gente qualificada. Na universidade, os qualificados não vão para a pedagogia, nem para licenciatura. No curto prazo, é continuar com o que está aí e começar esse salto por cidades.

Zé Dirceu – Você acha que a universidade cumpre um papel à altura dos desafios da educação fundamental, hoje, no Brasil?

Cristovam Buarque – Não creio. Ela praticamente está de costas para a educação de base. Desconhece.

Zé Dirceu – Como aconteceu isso?

Cristovam Buarque - Aconteceu pelo apartheid social que se construiu no Brasil nas últimas décadas. Quando éramos jovens, a melhoria de vida do povo nos beneficiava. Hoje, ela pode não nos beneficiar economicamente porque os recursos são limitados. Inclusive os ecológicos. A universidade virou as costas porque houve um apartheid e ela está do lado dos “brancos”. Perdeu o contato com o povo. Além disso, tem a violência que caracteriza-se mais como uma violência das camadas sem alternativas, que são os pobres. Então, criou-se o conflito. Junte a isso o neoliberalismo criando um individualismo muito grande. Nós, os mais velhos, somos culpados.

Zé Dirceu – A universidade não tem uma política pública, nacional, uma mobilização para formar professores; ou para, como eram os colégios de aplicação ligados às universidades, reformar a própria educação do país. Por outro lado, a universidade não consegue resolver seu dilema com a iniciativa privada, entre o financiamento da pesquisa, a apropriação pelo pesquisador e a criação de fundos privados. Na China e Coréia, por exemplo, existe uma simbiose entre iniciativa privada, universidade e empresas. As universidades têm fundos, pagam o pesquisador, investem, têm centros de pesquisas construídos em decorrência disso. No Brasil a universidade está com dinheiro público e todinha encastelada como público.

Cristovam Buarque – A universidade brasileira ficou com medo do povo e dos ricos. Medo do povo e do setor privado. Ela está no pior dos mundos. Eu defendo uma proposta que ajudaria a puxar mais gente dentro da universidade para a educação de base. Quem quiser ser professor, estuda de graça e isso vale também para uma universidade particular de qualidade, uma espécie de ProUni automático para quem quiser fazer pedagogia ou licenciatura.

Nas universidades estatais, creio que podemos começar a ter cursos pagos ou até que não existam. Por que se viciou em dizer que público é o Estado? Público é aquilo que serve ao interesse público. Tem cursos nas universidades estatais que não têm nada a ver com o interesse público. Primeiro, porque estão sobrando profissionais, e isso não tem a ver com o interesse público, mas com a vocação. Segundo, porque são áreas que não vão beneficiar o projeto de Nação e nem o povo excluído. Se beneficia o projeto de Nação, não precisa beneficiar o povo. Grandes cientistas, as grandes áreas de ciências e de tecnologias, grandes filósofos e historiadores. Isso interessa ao projeto de Nação, não precisa ter contato, nem resolver o problema do social. Agora, medicina e as áreas técnicas precisam ter compromisso popular.

Engenharia tem que respeitar o meio ambiente. Arquitetura voltada para moradias populares nas universidades estatais, quem quiser fazer arquitetura para grandes prédios de banco, estude em universidades particulares. Eu sou contra esse negócio de dizer rico paga a universidade e pobre não paga. O que me interessa é o serviço que ele vai prestar. Se o filho do brasileiro mais rico quiser estudar para curar a AIDS, por que o pai dele vai pagar? O pai precisa pagar os impostos.

As forças progressistas precisam começar
a se preparar para 2011 não ter retrocesso

Zé Dirceu – A questão da Educação no Brasil não vai se mover sem medidas audaciosas. Antes, a educação tinha problemas que nós resolvíamos com dificuldades, mas havia tempo. Agora, estamos correndo contra o tempo. A China forma 400 mil engenheiros por ano, dez vezes a mais do que os EUA. E como nós vamos fazer? Colocamos um piso de R$ 950 para os professores e os governadores vão ao Supremo para derrubar. Pior é que são governadores dos Estados mais ricos do país - Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo - coincidentemente governados pelos tucanos.

Cristovam Buarque – Eles estão contra os R$ 950, mas até dizem que não é por isso. Eles estão contra uma coisa tão importante quanto os R$ 950. Na Câmara, a Fátima Bezerra, deputada do PT, colocou que a carga horária de aula seria no máximo 67% da carga de trabalho. Ou seja, se o professor dá 8h, tem que dar 5h e já é muito. Professor tem que dar 4h, no máximo. Esses caras estão contra isso porque vão contratar mais. Além do quê, acho que estão manipulando a opinião pública. Quando você fizer isso, vai diminuir o número de professores de licença que é muito grande. Aqui em Brasília, há pouco tempo, chegou a 30% o número dos professores em licença. Quanto custa isso? Vai diminuir a repetência quando o professor der assistência após a aula.

Zé Dirceu – O barato sai caro.

Cristovam Buarque – Agora, vamos imaginar que as contas deles estejam certas. O que diz o governo de São Paulo? Vai precisar de R$ 1, 4 bilhão, menos de 2% do orçamento do Estado. A elite brasileira foi desse jeito na Lei Áurea. Quando veio a Lei, alguns quiseram impedir e outros quiseram indenização. Foi por isso que o Rui Barbosa mandou tacar fogo nos documentos, com medo que os donos de escravos pedissem indenização. E se tivesse deixado aqueles documentos, tinha gente pedindo herança agora. Tem que haver uma mudança grande de consciência sobre a importância da educação como projeto de Nação.

Zé Dirceu – No setor empresarial, que investe, há demanda por técnicos e profissionais nas diversas áreas. Se o país formar esses profissionais, o mercado contrata na hora.

Cristovam Buarque – Hoje, as agências de emprego têm vaga sobrando. E tem, também, desempregado sobrando, em todas as áreas. Outro dia encontrei, numa praia de Alagoas, dois empresários portugueses que queriam colocar um haras. Eles foram para lá e desistiram. Eles diziam que há cavaleiros ótimos, mas hoje em dia tem que colocar no computador o que o cavalo comeu, o peso, olhar curva de desempenho e aqui não tem porque são “analfabetos”, eles disseram. E desistiram de investir aqui. Veja bem, vaqueiro hoje precisa saber informática. Com isso, estamos ficando muito para trás e rapidamente.

Como daremos esse salto? Eu não acredito que as forças conservadoras façam isso, mas creio que as forças progressistas, com suas divisões, precisam começar a se preparar para 2011 não ter retrocesso, inclusive do piso, do PDE. Se quisermos dar o salto adiante, se não tomarmos cuidado, haverá retrocesso. Para mobilizar a militância que está paralisada, estou defendendo junto ao PSB, PDT e acho que tinha que ser com o PT, que nós saíssemos pelo Brasil, 2 a 4 candidatos, um de cada partido, como se fossem pré-candidatos para ver quem vai ser o candidato. Em cada lugar, teria um diferente. Mas fazer um roteiro em 2009, ou no primeiro semestre, antes de dividir porque isso vai ser a tendência, em 20 capitais e mais 20 cidades de porte médio, porque as pessoas estão desprezando essas cidades. Ciro Gomes e outros. Debater qual o projeto de cada um e mobilizar para 2010.

Há uma desmobilização, porque dizemos “o Lula está aí, não é preciso se mobilizar”. O Lula aglutina, [faz] o que quer. Ao contrário de uma pessoa que eu admiro que é o Chavez, que dividiu o país, talvez até com mais vontade de transformar. O Lula aglutinou e nos acomodou. Estamos acomodados, e falta um ano e meio.

Zé Dirceu – Como você entende que vai se desenrolar esse processo nos próximos dois anos e meio? Lula faz o sucessor? Quais as condições para o êxito dessa empreitada?

Cristovam Buarque – O Lula faz o sucessor, mas o sucessor não faz Lula, não faz o jeito do Lula. Lula sem Lula não vai existir.

Zé Dirceu – Precisa de uma maioria no Congresso sólida.

Cristovam Buarque – Uma maioria e a base mobilizada. Lula não precisou dessa base mobilizada, até o ajudou que não mobilizasse. Mas o próximo precisará do povo mobilizado, porque não terá a genialidade que tem o Lula na política, o carisma. Ele é uma coisa à parte que não vem todo dia. Lula pode fazer o próximo presidente, mas o presidente não faz o jeito do Lula, seja quem for.

Zé Dirceu – Na verdade, você vê vários candidatos em 2010 ou acredita que possa haver uma aliança com PDT, PCdoB, PT, PSB, PMDB, e que seria uma aliança imbatível?

Cristovam Buarque – Qual é o caminho que a gente segue para tentar juntar? Supondo que é melhor juntar, porque, às vezes, eleitoralmente, é melhor você separar. Se for para juntar, acho que a melhor maneira, ao invés de ficar nos conchavos, é fazer esse debate nacionalmente. Coloca o Eduardo Campos uma vez, na outra o Ciro Gomes, na outra vez eu vou, coloca a Dilma e na outra vez, o Tarso. A gente debatendo o futuro do Brasil diante da militância de todos os partidos juntos.

Zé Dirceu – Um fórum de debate?

Cristovam Buarque – Um fórum, mas com a idéia de que isso possa se transformar em prévia porque, se for só fórum, fica acadêmico. Você tem que passar o seu recado, querendo conquistar como eleitor. Se for fazer uma palestra como professor, eu mostro, recebo aplauso e não preciso seduzir ninguém. Mas se você for pensando que vai querer ganhar, o seu discurso tem que ser mais político. Se fizéssemos isso no início de 2009, poderíamos tentar juntar. Se vai juntar ou não, eu não tenho idéia. Aí o papel do Lula seria muito importante. O que ele vai querer fazer ou como vai conduzir? Eu tenho a impressão que ninguém sabe.

Não falta recurso financeiro,
mas a vontade de querer mudar
Zé Dirceu – Voltando à questão do piso, você defendeu a criação de uma lei de responsabilidade educacional.

Cristovam Buarque – Já foi aprovada na Comissão de Educação. Agora vai para a Comissão de Assuntos Econômicos. Ela não diz exatamente uma coisa importante, que eu já discuti com o [Fernando] Haddad, que é favorável. O Haddad pergunta “como é que se definem as metas?.” Eu tenho duas propostas para elas. Uma é com certa centralização, o Ministério da Educação define as metas para cada cidade, porque não pode ser uma meta só.
Você não pode propor erradicar o analfabetismo em quatro anos para qualquer cidade. A outra é democrática, todo candidato a prefeito é obrigado a dizer quais as suas metas. O eleitor escolhe quem tem metas audaciosas para a Educação e quem tem metas simples. O que botar meta audaciosa vai ter que cumprir, quem botar simples fica ali.

Zé Dirceu – A falta de recursos é o determinante ou é a incapacidade de gestão, de administração, de mobilização, de estabelecer políticas?

Cristovam Buarque – Eu acho que o recurso financeiro é o menor problema de todos. Existe um problema político de querer buscar... Não faltam recursos no país. Quando a Petrobras e o BNDES falam dos investimentos que vão fazer, verificamos que tem uma soma de dinheiro muito superior ao que precisaria.

Zé Dirceu – Por ano, os dois somam R$ 150 bilhões de investimentos.

Cristovam Buarque – Não falta recurso financeiro, mas a vontade de querer mudar. O que faltam são recursos reais. Se amanhã você colocar dinheiro demais na escola, na primeira chuva vira lama. Você não pode jogar dinheiro no terreno. Por exemplo, aumentar muito o salário de todos os professores não melhora a educação. Encher as escolas de computador, vão ser roubados na primeira semana.

Eu defendo um processo por cidades, formando 100 mil por ano, até chegar aos dois milhões e meio de hoje. Todos seriam substituídos por novos ou pelos que demonstrarem competência. Aí o salário médio, não o piso, iria para R$ 4 mil e o piso ficaria em torno de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil. Isso não custa muito no começo, vai aumentando, mas o país também vai crescendo e fica fácil. Isso traria um retorno muito rápido. Em cinco anos, você já veria o retorno disso, os meninos e meninas com uma formação. Quais os recursos que faltam? Professor preparado, escolas construídas e até crianças em condições de acompanhar essa educação.

Zé Dirceu – Sem falar que os parâmetros da educação fundamental têm que mudar no Brasil. Nós não entramos no século XXI.

Cristovam Buarque – Se eu fosse dar uma aula de Geografia, eu pegaria o computador, abriria aquele programa do Google (Earth) em que aparece o mapa, e mostrava a casa do menino. Olha aqui onde é que você mora. Agora, olha o seu redor aqui. Isso é geografia...

Zé Dirceu – Qual seria o critério para escolher essas cidades?

Cristovam Buarque – Em 2003, foram 29 cidades. Como fizemos? Nós sondamos quais prefeitos tinham uma boa gestão – e não só do PT, fizemos questão de misturar, e nem só de um Estado. Fomos lá, mandamos um cara e exigimos que só entrava se a cidade fizesse um pacto e se todos os vereadores assinassem que dariam continuidade aquilo. Conversamos com padres, prefeitos etc, o MEC liberou recursos, depois conseguimos pegar dinheiro de outros programas, mas em 2004 parou. Em 2005, o orçamento tinha dinheiro para 155 novas cidades. Eu defendo mil em 4 anos, mas vai aumentando, vai ficando mais fácil.

É um processo difícil e que exige a vontade do prefeito. Eles precisam dar uma parte, não pode ser só o governo federal. Qual prefeito vai dar mais? Qual a cidade tem um envolvimento com a Educação?
Aqui e ali vai dar errado, mas vai dar certo em outro canto. E na hora que começar a der certo nessas cidades, as outras virão. O erro do Brizola foi colocar CIEPS espalhados no Estado inteiro. Se ele tivesse escolhido 10 cidades do Rio e as revolucionado, inclusive fazendo teatro, biblioteca, colocado jogo de xadrez na praça, as outras viriam depois, ninguém parava. Mas aquelas escolas isoladas terminaram parando.

É difícil o critério de escolha, mas a gente vai praticando e encontrando. No Brasil, no fundo, tudo começa por algumas cidades.

Zé Dirceu – Você acredita que se pode universalizar o ensino médio em 3 a 5 anos, com a política atual, o plano da educação, com as escolas técnicas como fizemos com o fundamental?

Cristovam Buarque – O importante com a revolução na base do ensino fundamental é que quando houver a universalização, ela seja também com qualidade. O ensino médio hoje, temos que reconhecer, com as crianças que não fizeram um bom ensino fundamental, tem que ser um ensino médio diferenciado. Temos que levar em conta isso. Não podemos ter a mesma qualificação. Tem que ser mais profissionalizante. A tendência está sendo essa. Agora, quando o ensino fundamental der o salto, o ensino médio vai se espalhar com qualidade.
Todo mundo diz “o gargalo é o ensino médio”. É verdade. Mas o fundamental não está no gargalo, está embaixo. Toda criança aprender a ler antes dos 7 anos, todas. Toda criança ter já uma base de literatura, saber as operações bem feitas. É no ensino fundamental que a gente vai dar o salto no ensino médio e depois na universidade. Isso não quer dizer que temos que abandonar o ensino médio e a universidade. Não, mas fazer tudo isso. A revolução é embaixo.

Hoje, a revolução no social está na escola. Deixo com você esse livrinho “O que é o Educacionismo?” É o socialismo do século XXI. Aquela idéia que falei há pouco: não é tirar o capital do capitalista para o trabalhador, mas colocar o filho do trabalhador na mesma escola do filho do capitalista. Peguei Marx e fui analisando. Luta de classe não é mais capital e trabalho, mas ter ou não conhecimento. Emancipação não é mais ser dono do seu trabalho, mas ter o capital conhecimento. Eu fui olhando um por um, para tentar ver se atraio a juventude, mas não é fácil atrair a juventude para esse debate hoje.

Zé Dirceu – O que mudou na juventude que está tão afastada?

Cristovam Buarque – Nós, os mais velhos, deixamos morrer as bandeiras que tínhamos. Não soubemos reformular o que havia de tão bonito no socialismo. Não soubemos incorporar o meio ambiente, por exemplo, a ecologia. Em 1982, eu tinha acabado de chegar do exterior e fiz um artigo, que chamo de Fetichismo da Energia sobre a crise do petróleo, em que eu colocava o problema ambiental. O artigo foi devolvido por um companheiro nosso, da Revista Cebrap, com uma carta dizendo “esse assunto do meio-ambiente é uma invenção do imperialismo para impedir o crescimento do Terceiro Mundo”... Eu analisava que o problema energético não é apenas a falta de fonte, é também o excesso de consumo. Há um fetichismo aí.

Nós não soubemos reformar o pensamento de Marx. Eu começo o livro dizendo que, em 1883, quando Marx morreu, não havia luz elétrica nas casas, não tinha automóveis nas ruas, nem moto-serras nas florestas. Nós tínhamos que mudar o pensamento dele e não soubemos fazer isso, ficamos vagando. Aí veio a vitória do neoliberalismo, a sedução do consumo, que realmente é uma coisa fascinante, e ficamos perdidos. Nós, os líderes, não os jovens.

Zé Dirceu – Em artigo que escrevi, publicado no Jornal do Brasil, eu dizia que o ciclo do muro de Berlim acabou com a escolha do Obama, com as Olimpíadas e com a invasão da Ossétia pela Geórgia e a reação russa. Também abordei a questão da Ásia, que é um bloco como a União Européia ...

Cristovam Buarque – A nossa pergunta, das lideranças, é o que fazer para não perdemos os avanços dos últimos anos.

Zé Dirceu – A primeira coisa é eleger um sucessor.

Cristovam Buarque – Mas como eleger um sucessor capaz de avançar, enfrentando as forças contrárias, sem ter o charme do Lula?

Zé Dirceu – Isso depende de os partidos se unirem, terem mobilização social e o debate público.

Cristovam Buarque – O debate público.

Zé Dirceu – Primeiro, o Lula vai continuar presente na vida política do país e como uma grande liderança. Ao contrário do FHC que não tem as mesmas características do Lula, ainda que ele continue o seu papel, exercendo sua liderança, mas não tem a mesma qualidade porque o Lula pode mobilizar fora. Talvez, o que não fez agora possa fazer depois para ajudar quem estiver governando. O ideal seria que se fizesse uma reforma política e os partidos ganhassem mais densidade, corpo, filiação no Brasil.

Cristovam Buarque – Outra coisa que insisto é não fazer aventuras na economia. Tem ajustes, mudanças, mas não aventuras.

Zé Dirceu – A questão dos juros você acha uma aventura?

Cristovam Buarque – Eu acredito que juros é uma questão mais técnica do que política. Eu briguei com muita gente por isso. Não pode ser tão baixa que volte a inflação pelo aumento do consumo; e não pode ser tão alta que voltem a inflação e a recessão porque pressiona os custos. Eu fui conversar longamente com o Henrique Meirelles que me tranquilizou muito. Comecei a falar que, talvez, os juros fossem altos porque eles começam a pressionar os custos. Ele me disse que no Brasil não pressiona. A explicação dele é que no Brasil, o empresário não paga juros a preço de mercado, só paga juros do BNDES para a indústria e do Banco do Brasil para a agricultura.

O professor do futuro vai ensinar o aluno
a surfar nas ondas do conhecimento

Zé Dirceu – Você é favor do uso das tecnologias, como computadores por alunos, esse projetos como meio de revolucionar a Educação?

Cristovam Buarque – Sou, se treinar bem o professor. Eu tenho vontade de montar um projeto de Lei que diga “em dez anos fica proibido ter o quadro negro”. Quadro negro é o computador, não tem jeito. Aluno não gosta de ficar olhando para o professor e grande parte do ensino será a distância. Mas para isso, o professor tem que saber usar. O professor do futuro não vai ser mais artesanal como eu sou, vai ser uma mistura do que segue a disciplina, do que sabe pegar dessas idéias e desenhar bem em desenho gráfico e levar isso para todos os cantos, para o menino chegar em casa e ver na tela. Aí, eu sou a favor. O professor do futuro será o cara que vai ensinar o aluno a surfar nas ondas do conhecimento.
Antigamente, o conhecimento estava na cabeça do professor, que entrava na sala cheio de conhecimento. Hoje, não é mais. O conhecimento está espalhado na televisão, no computador, na internet.

Qual o papel do professor? Primeiro, ensinar o aluno a surfar e mostrar onde ele vai buscar a informação. Segundo, transformar informação em conhecimento.Terceiro, complementar com o lado estético e ético, que o computador não passa. O professor precisa dessas três coisas, sem o computador ele não faz. Agora, o computador sozinho também não faz. Gera uma geração de nerds – como eles chamam – cheios de informaçõezinhas sem informação, sem ética, sem gosto estético e só competitiva.

Zé Dirceu – As empresas hoje também estão se tornando centros de educação. Elas precisam aumentar a produtividade, novos métodos de gestão, melhorar as tecnologias.

Cristovam Buarque – As escolas estão no mundo inteiro. As Igrejas são um pouco escolas. As fábricas, os consultórios são um pouco escolas.

Zé Dirceu – Como fazer a formação dos professores? Há um descolamento enorme, muitos formados não saem preparados das universidades.

Cristovam Buarque – Temos que separar o Ministério do Ensino Superior do Ministério da Educação de Base, e este fazer convênios com a universidade. “Eu quero 100 mil professores que saibam usar computadores”. Está aqui o que eu quero. E aí, as universidades formam, com liberdade pedagógica, não tem que dar a linha exata, é bom que haja liberdade, mas dizendo o tipo de professor que se quer. Se deixar a universidade como está, não adianta. E o MEC é o ministério do Ensino Superior e da Escola Técnica, não é o Ministério da Educação de Base. Federalizar, criar a carreira nacional e um programa de horário integral, no nível federal. Agora, descentraliza a gerência. Aí, eu radicalizo. Ter uma escola pública que pertença aos pais e aos professores e que cumpram as metas federais.

Zé Dirceu – Na maioria dos países desenvolvidos, o governo federal só faz isso, metas pedagógicas e interesse cultural do país. Nós não temos tanto esse problema, mas alguns países têm mais de uma nacionalidade, mais de uma cultura e é preciso gerenciar isso. Agora, a gerência é totalmente municipal.

Cristovam Buarque – Essa é uma pergunta boa para o debate que estou propondo com os pré-candidatos, e também a linha de juros, a produção metalúrgica, se vai ou não ter energia nuclear. O Lula disse que vai voltar a energia nuclear. Eu pessoalmente acho que é a energia mais limpa que existe se formos capazes de resolver os problemas da engenharia civil para que não deixe vazar e onde colocar o lixo. É uma questão técnica, mandem os engenheiros estudarem isso. É a mais limpa que tem, não gera lago, nem fumaça. Agora, é assustadora.

O petróleo é um bem nacional

Zé Dirceu – Sobre o pré-sal, você participou das discussões, viu o presidente falar, como está vendo isso?

Cristovam Buarque – Nós temos que transformar um recurso esgotável em um recurso permanente... Fui recentemente à Doha, eles têm poços de petróleo cujo dinheiro vai todinho para montar centros de conhecimento. Eles estão investindo na energia do futuro. Quem disse que petróleo é energia? Petróleo é lama, energia é a engenharia de furar, puxar, transportar e refinar. Essa é a verdadeira energia, a cinzenta.

A gente tem que pegar essa energia que o Brasil tem e aproveitar em educação, ciência e tecnologia. A Irlanda era um país muito atrasado, não teve o pré-sal, mas a sorte dela foi entrar na Comunidade Européia. Quando isso aconteceu, eles reuniram todos os partidos – são poucos, apenas 3 – com os líderes empresariais e sindicais num castelo por duas semanas, e discutiram o que fazer a partir da entrada na comunidade. Eles decidiram gastar todo o dinheiro em educação, saúde e tecnologia, fosse qual fosse o governo, durante 30 anos.

Nós temos que transformar isso. Como? Primeiro, o petróleo é um bem nacional, nós podemos permitir que entidades privadas o explorem desde que paguem pelo petróleo e esse petróleo e os royalties têm que ir para um investimento permanente. Eu acho que investimento permanente é a educação. Lula já disse, e tem razão, em educação e na luta contra a pobreza.

Zé Dirceu – E nas grandes cidades.


Cristovam Buarque – Também nas grandes cidades. Ele está correto. É dinheiro suficiente para resolvermos esse problema em dez, 15 ou 20 anos. Um país ultra educado, para mesmo que se um dia acabe, mesmo o pré-sal, esse seja um país grande. A diferença entre nós e Doha é o tamanho. Eles não terão massa crítica para serem grandes produtores de centros de tecnologia. Nós temos condições de ser uma fonte importante de saber no mundo. Eu não vejo outro jeito. O petróleo foi queimado a serviço da Nação, é verdade, mas não dá para dizer que foi a serviço do povo. O povo é permanente, quando acabar o petróleo, vai ficar sem nada.

Zé Dirceu – O governo precisa ampliar esse debate que está tendo para os líderes da oposição, empresários e lideranças sindicais. Convidar a oposição para ir ao Conselho Econômico Social.

Cristovam Buarque – Aliás, lhe digo, há um projeto meu para usar os royalties do pré-sal para a educação, assinei junto com o Tarso Jereissati. É importante construirmos projetos que vão além do partido que está no governo.

Zé Dirceu – Essa questão do pré-sal, da Petrobras, da empresa estatal tem que ser resolvida de uma maneira bem adequada porque os desafios tecnológicos e a corrida contra o tempo. A tecnologia fica 5 bilhões cada conjunto daqueles. Os investimentos são fantásticos. E ele pode misturar. Nós vamos ter que aprender, lógico que a Petrobras tem capacidade para isso. Mas teremos que aprender muita coisa.

Cristovam Buarque – O aspecto além desse é a defesa disso, porque está já saindo do mar territorial brasileiro. Os americanos e ingleses podem vir e começar a perfurar ao lado das nossas. Nós temos que estar preparados para defender.

Zé Dirceu – Esse é outro problema, arrumar recursos para equipar, profissionalizar e mudar nossas Forças Armadas.

Cristovam Buarque – Precisa mudar e profissionalizar.

Zé Dirceu – Hoje, a rigor, nós não temos Forças Armadas.

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