terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sr. ZÉ DIRCEU:À SOMBRA DO ESCÂNDALO DANTAS, por Raimundo Rodrigues Pereira.

FONTE: WWW.ZEDIRCEU.COM.BR

23/09/2008 13:08

À sombra do escândalo Dantas,

Por Raimundo Rodrigues Pereira

(Reportagem publicada na revista Retrato do Brasil, edição nº 13 - ago/set 2008)


"A Operação da PF para expor o submundo das finanças e da política mais escondeu que revelou


Raimundo Rodrigues Pereira

O delegado Protógenes Queiroz, comandante da Operação Satiagraha, ação da Polícia Federal (PF) que prendeu no dia 8 de julho, entre outros, o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, vê a investigação como um clímax. “Foi praticamente um grito que saiu da garganta de todos os brasileiros que se sentiam oprimidos por estarem, aí sim, algemados por poderes que até então não identificamos”. “A sociedade estava com isso entalado na garganta”, disse ele à Folha de S. Paulo no início de agosto.


Para muitos, o trabalho do delegado Queiroz permitirá chegar ao fundo do poço de duas tramas essenciais. Uma, financeira, a dos fundos em “paraísos fiscais” para aplicações de “não-residentes”, uma fachada por trás da qual se esconderiam, de fato, grandes investidores brasileiros. Outra, política, a do “mensalão”, movimentação ilegal de recursos pelo Partido dos Trabalhadores por meio da qual teriam sido feitos depósitos mensais regulares para a compra de apoio de parlamentares ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mandato.


Daniel Dantas seria o elo entre as tramas. Foi o gestor do Opportunity Fund, constituído nas Ilhas Cayman para participar no processo brasileiro de privatizações nos anos 1990. E afinal, controlador da Brasil Telecom,
Telemig e Amazônia Celular, operadoras de telefonia surgidas naquele processo e que seriamjustamente as principais empresas financiadoras, com depósitos somados de 127 milhões de reais.


A história da Satiagraha, até agora, com a espalhafatosa operação do dia 8 de julho, com as prisões acompanhadas pela Rede Globo, com o vazamento controlado de informações para a mídia, é um escândalo que esconde questões essenciais. O desenvolvimento da Satiagraha ajuda a descobrir quais são essas questões e porque estão sem resposta.


Quando a operação começou, no início do ano passado, considerava-se que o ponto de partida eram as informações do disco fixo do servidor do Opportunity, o computador central do banco. Ele fora apreendido em 2004, durante a Operação Chacal, investigação da Polícia Federal sobre grampos clandestinos que teriam sido realizados a mando de Dantas contra concorrentes e mesmo pessoas como Luiz Gushiken, então ministro da Comunicação Social e Assuntos Estratégicos. E seus segredos haviam sido protegidos por três decisões da Justiça, uma delas da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, negando pedido feito por Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que investigava o “mensalão”.


Em março de 2007, no entanto, um pedido do Ministério Público Federal de São Paulo foi aceito pela 2a Vara da Justiça Federal no estado e contornou a proibição anterior. O disco fixo foi aberto e seu conteúdo passou às mãos dos investigadores. A partir daí, a PF trabalhou com essas informações e produziu laudos técnicos para serem entregues eventualmente à Justiça, ao final do inquérito. Foram três os laudos, todos eles do Instituto Nacional de Criminalística (INC), da Diretoria Técnica da PF:

• o laudo 1351/2008, que examinou o dispositivo de armazenamento de dados do computador e atestou a sua integridade e confiabilidade para uso como prova na justiça;
• o laudo 1354/2008, que disponibilizou as informações contidas de forma confiável e acessível para consulta legal;
• e o laudo 1773/2008, organizado a partir do anterior, de modo a responder às questões que a investigação formulava.


Na lisa, o sócio

As respostas desse último laudo são muito afirmativas. Em resumo, o INC diz que foram identificados 84 aplicadores no Opportunity Fund Cayman, gerido por Dantas do Brasil, mas reservado legalmente para “não-residentes”. E mostra a lista, com empresas e pessoas físicas, estas a grande maioria. E diz mais: que “a maioria absoluta” é de brasileiros. Um dos brasileiros que teve sua aplicação ilegal confirmada no laudo é Luiz Roberto Demarco Almeida, sócio de Daniel Dantas que rompeu com ele no fim dos anos 1990 e o denunciou posteriormente para alguns jornalistas. Demarco, um brasileiro, aplicou 150 mil dólares num dos subfundos do Opportunity em Cayman, o Agressive Equities, e mais 350 mil dólares em outro, o Brazilian Fixed Income Derivatives. O laudo diz também que o fundo movimentou 1,97 bilhão de dólares, no período registrado no computador, de 10/12/1992 a 23/6/2004.

Esses laudos, no entanto, demoraram: só ficaram prontos em 2008. A essa altura, a investigação já avançara. Trabalhava com uma análise preliminar do disco e, principalmente, com escutas telefônicas de suspeitos, autorizadas pela Justiça em julho de 2007. O comando da operação era então do delegado Protógenes Queiroz. No dia 27 de março, ele substituíra Ézio Vicente da Silva, também delegado da PF de Brasília. Uma semana antes, no dia 20, Silva apresentara ofício ao juiz que autorizara e acompanhava a operação de quebra do sigilo das comunicações de internet do Opportunity. O documento dizia que, nos dados interceptados no período analisado, a primeira quinzena de março, apesar do “enorme volume”, mais de 4 milhões de páginas de internet, “nada foi encontrado em nome de Daniel Dantas, Carlos Rodenburg (ex-cunhado de Dantas), José Dirceu e Nathalia (secretária da irmã do banqueiro). E pedia a suspensão do grampo.

Além disso, segundo se soube por artigo de Andréa Michael, publicado na Folha de S. Paulo, o exame preliminar do disco fixo da central de armazenamento de dados do Oportunitty “não continha informações relevantes que pudessem ajudar a elucidar os responsáveis ou beneficiários do mensalão”.

O artigo de Michael, publicado no dia 26 de abril deste ano, fez o delegado Queiroz considerá-la pessoa associada ao grupo Opportunity. Ele pediu a prisão temporária da jornalista na jornada espetacular de 8 de julho. O pedido não foi atendido.

De qualquer modo, já em meados de 2007, Queiroz não estava mais comandando uma investigação para buscar a conexão dos fundos off-shore ilegais do Opportunity com a má política do “mensalão”. Ele ainda buscava uma conexão de negócios ilegais com má política. Mas esta e aqueles eram diferentes. Os negócios ilegais eram os das “organizações criminosas” de Dantas e de Naji Nahas. E a má política era a decisão do governo federal de incentivar a formação de uma tele verde-amarela.

Como ele processou essa mudança? A conjuntura talvez ajude na resposta. Em meados de 2007, a ministra Dilma Rousseff encomendou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um estudo para realização desse negócio. Na mesma época, a 26 de julho, Queiroz pediu à Justiça a quebra do sigilo telefônico de cerca de 20 pessoas ligadas a Dantas e Najas.

Dantas e Najas tinham uma relação que, em vários aspectos, convinha ao enredo imaginado por Queiroz. Os dois estavam envolvidos com negócios tidos como escusos. E também com a telefonia: Dantas, como já se sabe, e Najas, como logo se verá, após um exame do ninho de serpentes em que se tinha transformado o setor de telefonia brasileiro depois da privatização.

O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso privatizou o sistema Telebrás falando em acabar com o monopólio na telefonia. De fato, premido por uma dívida externa galopante, vendeu o bloco das estatais brasileiras – bastante dividido do ponto de vista político, pois os Estados administravam várias de suas partes – para um punhado de monopólios. No fim de 1998, quando a privatização ocorreu, o governo queria que a venda das telefônicas estatais fosse feita a grupos de fora, que trouxessem dólares para evitar a quebra do País – que acabou, afinal, acontecendo logo depois das eleições daquele ano.

A telefonia fixa estatal foi dividida para a privatização em quatro grandes áreas econômicas. O governo queria que as quatro ficassem com estrangeiros. Três acabaram ficando: uma com os espanhóis da Telefônica; outra, a Brasil Telecom (BrT), com um consórcio no qual estavam presentes a Telecom Italia, o Citibank e os grandes fundos de pensão das estatais; e uma terceira, a área da telefonia fixa internacional, com o mexicano Carlos Slim, da Telmex. Só uma, chamada de Telemar, ficou com grupos brasileiros, Jereissati e Andrade-Gutierrez.

Aparentemente, era para ficar cada um na sua área. Mas uma disputa enorme entre os grupos se desenvolveu, graças especialmente à telefonia celular, que acabou se tornando o motor do mercado. A Telmex passou a operar na telefonia móvel com a Claro, a Telefônica com a Vivo, a Telemar com a Oi e a Telecom Itália com a Tim. E cada grupo procurou avançar sobre o mercado do outro, porque as novas condições técnicas e a
convergência dos diversos meios de comunicação tornaram isso inevitável.

Em 2007, o delegado Queiroz, tudo indica, encontra Dantas e Nahas nesse campo de batalha, numa disputa dentro de um grupo perdedor, a BrT. Dantas fora o controlador da BrT na era dos tucanos. Baiano, muito ligado a financistas como Pérsio Arida, que fora presidente do Banco Central no início do governo Fernando Henrique e em 1998 estava no Opportunity, saiu desse processo como um dos grandes dirigentes da telefonia brasileira. A BrT era a grande empresa que comandava.


Mas ela não estava apenas ameaçada de ser engolida pelos outros grandes grupos. Estava corroída por ferozes brigas internas, todas envolvendo Dantas. A Telecom Italia, depois de um esforço para controlar a companhia, vendera sua parte no bloco para se concentrar na Tim. E se engalfinhava com o Opportunity por conta de um suposto sobrepreço num negócio de telefonia no sul do Brasil. Ambas as empresas contrataram
equipes de espiões e acabaram na Justiça, acusadas de efetuarem grampos clandestinos aqui e na Itália.

Fundos contra Dantas

O Citibank queria deixar a sociedade e embolsar dinheiro para curar feridas da enorme crise das hipotecas imobiliárias no seu paíssede, os EUA. Tinha um acordo com Dantas e mandavam na BrT por meio dele, desde a privatização, à revelia dos fundos de pensão das estatais, também sócios da empresa. Mas, em 2007, o acordo estava rompido. No início de 2005, numa reunião em Cayman, o Citi derrubara Dantas do comando do Citibank
Venture Capital/Opportunity Equity Partners, subfundo do fundo Opportunity na ilha e controlador da BrT, da Telemig Celular e da Amazônia Celular.

Os fundos de pensão das estatais também estavam acesos na briga. No novo governo petista, eles, também dirigidos por petistas, buscaram derrubar Dantas do comando do fundo nacional, organizado para participar da BrT, à semelhança do fundo de Cayman. A direção de Dantas neste fundo – o CVC Equity Partners FIA – tinha sido engolida por eles a contragosto no governo anterior, tucano. Em outubro de 2003, já haviam afastado Dantas da gestão desse fundo. A partir de então, buscaram uma aproximação com o Citi. E a oportunidade de um grande acordo surgiu com a idéia do novo arranjo da telefonia imaginado pelo governo para criar a supertele verde-e-amarela. Citi e Opportunity venderiam suas participações na BrT para a Oi, novo nome do grupo formado pela Telemar e sua operadora de telefonia celular. A BrT e a Oi se fundiriam para formar a tele brasileira. E o BNDES e os fundos das estatais se reagrupariam dentro da nova tele, a ser controlada pelos donos da Oi – os grupos de Carlos Jereissati e Andrade- Gutierrez. O argumento é que isso criará uma tele verde-amarela, uma nova multinacional brasileira, numa área estratégica, tecnológica.


Dantas e Nahas, inicialmente, estão em campos opostos na briga dentro da BrT. Nahas é uma espécie de eminência parda do presidente da Telecom Itália, Tronchetti Provera. Mas, em 2007, a situação era outra. No ano anterior, Nahas já trabalhara, por uma comissão gorda garantida por Provera – a revista CartaCapital fala em 20 milhões de euros – para mediar um acordo com Dantas, que acaba não saindo.


Em abril de 2007, Dantas pareceu ter percebido uma saída no negócio da tele patriótica. Contratou, então, Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado histórico do PT e dos movimentos de direitos humanos, para servir de conselheiro nas inúmeras brigas judiciais em que estava envolvido e de mediador na negociação de venda de suas participações na telefonia. Greenhalgh é amigo de Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil, que está no centro da articulação do negócio da tele brasileira. É amigo também de Gilberto Carvalho, chefe do gabinete do presidente Lula. E ainda de José Dirceu que, ao contrário de Gushiken, inimigo frontal de Dantas, recebeu o banqueiro no Palácio do Planalto quando ainda era chefe da Casa Civil.

O paladino Queiroz

O segundo semestre de 2007, nesse contexto, é a hora em que se prepara o acerto geral. Nahas espera negócios e comissões. Dantas quer sua parte na telefonia, que estima em 1 bilhão de dólares. E o delegado Queiroz se vê como o defensor do bem, no meio de uma disputa maligna.

O relatório do delegado Protógenes Queiroz, no qual expõe os motivos pelos quais pede ao juiz autorização para as prisões que comandará no dia 8 de julho, tem 245 páginas. Cerca de 40 dos laudos técnicos preparados pelo INC da PF, com apoio do Banco Central e da Receita Federal. É a parte mais importante do trabalho. O restante vem das escutas telefônicas, basicamente, ou é inspirado por elas. São resumos de diálogos, algumas vezes seguidos de análises localizadas, outras, de observações de pretensões mais amplas. Não poucas vezes, Queiroz aparece, em suas próprias palavras, sempre num português claudicante, como um paladino. “Ante as ameaças de corsários saqueadores das riquezas do nosso país, deixo aqui registrado que o amanuense, que ora subscreve a presente peça, e por cautela alerto aos incautos, seja de forma individual ou organizados criminosamente para tal finalidade, que estarei de prontidão, comparado a um integrante da Brigada dos Tigres, fazendo um acompanhamento detalhado do futuro Fundo Soberano e ao menor movimento de ações ilícitas de tais reservas cambiais ou fraudes com os papéis que o governo federal pretende lançar começaremos desde já uma nova e complexa investigação”, diz ele a certa altura.

Com as escutas, Queiroz reconstrói Naji Nahas. O investidor tinha quebrado a si próprio e à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. E, os diálogos mostram, Nahas continua numa espécie de pântano, cercado por uma dúzia de doleiros, com seus negócios, geralmente menores, e por políticos aparentemente decadentes, como o ex-prefeito paulistano Celso Pitta, que os grampos mostram quase como um pedinte, sempre a lhe implorar uns tantos milhares de dólares a mais do que ele fornece, por motivos não se sabe bem quais são.

Queiroz eleva Nahas a outro nível. A questão do Fundo Soberano mostra como é feita essa proeza. Num dos relatórios com que pede ao juiz a prorrogação dos grampos dos telefones de Nahas, dedica 33 linhas ao assunto. Diz, então, um disparate atrás de outro. Um exemplo: que o mecanismo do Fundo Soberano foi adotado por alguns tipos de países, entre os quais “grandes produtores de petróleo”, “cuja característica básica é a unicidade entre atividade pública e privada, ou seja países totalistas onde alguns ‘empresários’ são considerados os titulares dos poderes políticos do país”.

O relatório conclui essa parte com uma frase espetacular. “Conforme acima, o jornalista Leonardo Attuch chega a perguntar a Naji R. Nahas se já pode divulgar Nahas como a pessoa que está à frente do Fundo Soberano. Mas Nahas pede calma, diz que por enquanto não seria conveniente”.

Queiroz sente que os fatos em seu poder são poucos para comprovar uma sociedade entre Dantas e Nahas. Mas, não se intimida. “Assim, o que temos de concreto é que Daniel V. Dantas prestou depoimento na Itália e está utilizando esse fato para criar uma cortina de fumaça onde Nahas seria um corruptor de autoridades, mas na verdade ambos continuam articulando nos bastidores uma forma de desacreditar, principalmente, a Polícia Federal na condução das investigações”. Que fatos provam essa articulação ele não diz. Mas vai em frente.

Luiz Eduardo Greenhalgh teve seus telefones grampeados a partir de 31 de março deste ano. Essa decisão parece ter sido tomada depois da análise do diálogo gravado no dia 26 de março deste ano, às 15h53m01s, a partir de um telefonema de Humberto Braz, executivo que foi diretor da BrT quando a empresa era controlada por Dantas, para o advogado petista, então, assessor do banqueiro. O resumo apresentado no relatório tem oito linhas. Ele é incompreensível. Diz que os dois “tratam sobre o negócio das teles, na proposta da Telemig, estariam aceitando que recebecem este ‘cheque’ de cada um (dos interessados) está contribuindo que vale US$60,000,000.00 (sessenta milhões de dólares americanos); mas em compensação querem 1/3 da Telemig para levar à arbitragem” (esse 1/3 equivale a 110 milhões), Humberto diz que eles estão pra receber 260 e se for para pagar 110 estarão pagando com “nosso dinheiro”, e que a diferença para eles é de 20 milhões, aproximadamente 0,3% do total”. “Gomes [que seria o apelido de Greenhalgh no grupo Dantas, continua o relato do grampo] diz que os compradores estão ‘orientados’ ‘para resolver’ o “nosso”problema. ‘Gomes’ diz que vai fechar hoje”.

Logo a seguir no relatório aparece a “Análise”. “Aparenta que o valor que estava sendo discutido trata do “custo” para o trabalho de “tráfico de influência”. “Então, a divergência não estava no valor do negócio e sim em quanto cada parte interessada estaria disposta a pagar para criação da ‘SuperTele’ exigindo os lobista a quantia de US$ 260,000,000.00 (duzentos e sessenta milhões de dólares americanos), valor que possivelmente irá constituir ‘caixa dois’ de alguma campanha eleitoral”.

Interpretação absurda

Esse resumo, depois das prisões de 8 de julho, vazou para a imprensa. Os jornais o publicaram. Não o texto estropiado original; mas corrigindo os erros de português e tentando dar sentido à algaravia. Diz, por exemplo, o diário O Globo em 23 de julho no artigo “Lobby de US$ 260 milhões”, com manchete de página inteira: “Relatórios do Serviço de Inteligência da Polícia Federal aos quais O GLOBO teve acesso, apontam que o
grupo de lobistas suspeitos de ligação com o banqueiro Daniel Dantas – integrado, segundo a PF, pelo ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh – exigiu em março deste ano US$ 260 milhões para viabilizar a criação da supertele (fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, que foi assinada em abril), junto ao governo federal. O dinheiro seria usado posteriormente para a formação de caixa dois para a campanha eleitoral, acusa a PF”. Diz ainda o jornal: “Segundo a PF, Opportunity e Citi deveriam arcar cada um com US$ 130 milhões”. Na conversa grampeada entre Braz e Greenhalgh, continua o diário, “a PF constata que a proposta pendente era do Citi, que envolvia um terço do valor da Telemig”.

O bom senso, no mínimo, sugeriria aos editores desses artigos que algo estava errado na narrativa da PF: Braz e Greenhalgh estavam trabalhando para Dantas, profissionalmente. Queriam receber, por fora, de Dantas, mais 130 milhões de dólares? E do Citi, adversário de Dantas, outros 130 milhões? E num negócio global de menos de US$ 1 bilhão?

Parece absurdo. Não se deveria, antes de publicar a pataquada suspeita com tanto destaque, ouvir a versão de Greenhalgh, que disse em nota, que a conversa entre ele e Braz se referia ao negócio por inteiro e não a qualquer comissão? Que os 260 milhões “nosso”, a que Braz e ele se referiam, tratava da parte à qual estavam vinculados – ou seja, à parte do Opportunity?

Outro exemplo da qualidade das análises enviadas pela PF aos juízes para convencê-los da necessidade de manter os grampos telefônicos vem de um telefonema de Humberto Braz de 21 de maio, 14h17m03s. Braz fala com um tal Gilberto. São 13 falas curtas. Usaremos B para Braz e G para Gilberto. “G: (inaudível). B: Fala Giba... G: E aí, tudo bem? B: Tudo bem, deu uma enrolada aí, a Andréia te passou um negócio? G: passou... B: E aí é seguinte... e eu não vou né... e ele vai viajar, então vai ficar pra semana que vem mesmo, e o que ficou acertado que se por acaso você tiver com ele ou qualquer coisa que o valha, é o seguinte: tá decidido aqui, fazer em duas vezes a consultoria dele lá... “conta curral”... G: Tá. B: 50% já e 50% na hora que for aprovado lá no meio ambiente. G: Tá. B: E ir direto as... G: Oi...alô... alô... Fim da ligação”.

Hipótese ridícula

Depois vem a “Análise”: “Humberto José da Rocha Braz conversa com Gilberto (possivelmente Gilberto Carvalho, assessor do gabinete da Presidência da República e pessoa diretamente vinculada a José Dirceu de Oliveira Silva, ex-deputado federal) e diz que a Andrea (possivelmente Andrea Michael, jornalista da Folha de São Paulo) vai passar para ‘ele’ (José Dirceu) aquela matéria que está muito bem feita. Que será realizado o pagamento referente a “Consultoria”de José Dirceu 50% agora e 50% quando for aprovado lá no “Meio Ambiente” (aparentemente se refere ao Ministério do Meio Ambiente) e a “consultoria” seria paga em uma “conta curral”, podendo significar pagamento no exterior com sonegação de impostos e evasão
de divisas”.

O que esse grampo e sua análise provam? A partir do fato – os diálogos – é feita uma dezena de conjecturas: Gilberto é o assessor do presidente; Andréa é a jornalista da Folha; José Dirceu está na parada; “conta curral” é pagamento no exterior. Por que as conjecturas são feitas? Evidentemente, porque o analista parte do pressuposto de que existe, na história que investiga, um vínculo Braz, Gilberto Carvalho, José Dirceu. E sabe da matéria da Folha feita por Andréa Michael, considerada suspeita pela direção da Operação Satiagraha. É crime levantar essa hipótese? Não é: é exatamente tarefa do analista levantar hipóteses.

É uma hipótese boa ou ruim? É um bom ou um mau analista? Parece ser uma hipótese simplesmente ridícula. Nas 400 páginas do trabalho da equipe de Queiroz que Retrato do Brasil leu, ressalvados os trechos referentes aos laudos técnicos do INC citados, o trabalho de análise, que orienta a busca dos dados, parece merecer igual avaliação: é ridículo. A hipótese básica de que existem duas organizações criminosas, a de Dantas e a de Najas, encimadas por uma terceira, cuja cabeça aparentemente estaria no Palácio do Planalto não se sustenta nos fatos. E como a hipótese mãe é ruim e o trabalho é mal feito, as coisas não andam. Ficam uns arapongas escrevendo relatórios sofríveis, que provavelmente ninguém leva mesmo a sério e que acabam servindo basicamente para levar fofocas a jornalistas que, ma editados, acabam tornando a parte política a imprensa conservadora brasileira ruim como ela é.

E uma investigação relevante, como a dos fundos off-shore inventados pelo Banco Central do Brasil para ajudar a escancarar as fronteiras econômicas nacionais, para a qual a PF poderia dedicar tempo e talento, fica esquecida".

23/09/2009

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