FONTE: FUNADAÇÃO LAURO CAMPOS
Qual socialismo?
Filosofia e Questões Teóricas
Leandro Konder
Dom, 19 de outubro de 2008 14:57
A experiência histórica do movimento socialista, em suas formas cada vez mais variadas, ensina que o socialismo só avança quando consegue se renovar. E, atualmente, ela já ensina, também, que a reflexão socialista precisa de interlocutores “externos”, quer dizer, precisa ─ para renovar-se ─ do diálogo com linhas de pensamento não comprometidas com os projetos socialistas.
Renovar-se não é uma operação simples, automática; é um processo nque passa por autocríticas intranqüilizadoras, freqüentemente dolorosas. Em sociedades politicamente complexas, os sujeitos empenhados em transformar as relações sociais precisam se criticar mutuamente, se reeducar, uns aos outros. A eficácia da autocrítica depende da liberdade de crítica assegurada aos outros. A verdadeira renovação passa a depender, cada vez mais, do pluralismo.
Por isso, a vanguarda do pensamento marxista está muito empenhada, hoje, numa revalorização do pluralismo. E os marxistas de vanguarda, na Itália, já se deram conta da extrema importância de um interlocutor como Noberto Bobbio.
Bobbio, pensador político, professor de filosofia do direito, é um homem de imensa cultura e estupenda honestidade intelectual. É um liberal que estudou Marx, conhece os meandros do pensamento marxista e não se sente nem um pouco constrangido em acolher tudo o que nele lhe parece bom. É exatamente essa abertura em face de Marx que lhe permite, por outro lado, questionar de maneira bastante despreconceituosa e fecunda uma série de aspectos da perspectiva filosófica e política do pensador alemão.
A história do século XX mostra que a conquista do poder, nas revoluções, não resolve o problema de como exercê-lo. Nenhuma revolução, até agora, enfrentou seriamente a questão das garantias contra os abusos do poder. A teoria da ditadura do proletariado deu no que deu. Bobbio, então, nos incita a refletir sobre a concepção do Estado em Marx: uma concepção que precisa de desenvolvimentos, complementações e ─ também ─ correções, revisões.
Não temos o direito de nos esquivar ao exame das questões relativas a como o poder se exerce. Os riscos de uma omissão, nas condições atuais, seriam enormes. A humanidade está duplamente ameaçada de extinção, diz Bobbio: pela guerra atômica e pelo esgotamento dos recursos do planeta. Seríamos sumamente insensatos se não nos dispuséssemos a aprender um pouco sobre as condições ─ não necessariamente mais humanas, porém menos ferozes ─ que podemos criar para o exercício do poder.
A tarefa é grave e delicada. Cumpre enfrentá-la com prudência. Bobbio sabe disso e evita se4 apresentar como “dono da verdade”. Seu método lembra o do velho Sócrates: ele aparece diante de nós como um arguto perguntador. Não é casual que todos os ensaios deste volume tenham títulos interrogativos. Qual Socialismo? ─ como notou Celso Láfer ─ contém perguntas “incisivas e bem formuladas”, relativas a temas pára os quais Bobbio não pretende ter “respostas definitivas”.
[Texto de orelha de Leandro Konder In BOBBIO, Noberto. Qual socialismo?: debate sobre uma alternativa. Tradução de Iza de Salles Freaza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.]
Leandro Konder é filósofo marxista e escritor.
Itens Relacionados
Não estamos condenados ao capitalismo perpétuo
Centralismo democrático ou burocrático?
Ator Sean Penn: Um ditador não perde referendos constitucionais
Recordatório: aniversário do assassinato da lutadora social alemã Rosa Luxemburgo
Racionalidade ambiental: uma epistemologia anticapitalista na pós-modernidade
Sobre o léxico político gramsciano
Guerra de posição e guerra manobrada
O movimento estudantil e a luta de classes
A vida de Gramsci
Vocabulário gramsciano
A etapa superior do imperialismo
O curriculum mortis e a reabilitação da autocrítica
Marx, expropriações e capital monetário ─ notas para o estudo do capitalismo tardio
Fredric Jameson, o teórico marxista da pós-modernidade
As ilusões do pós-modernismo - Prefácio
A crise completa: a economia política do não
Balanço do neoliberalismo
Ecosocialismo e planeamento democrático
Não há planejamento possível dentro da anarquia capitalista
Sobre o conceito de história
Onze teses sobre Feuerbach
A transformação do mundo ou as Onze teses de Marx sobre Feuerbach
Pensamentos tardios
PSOL inicia debate sobre programa de governo para as cidades
Marxismo, modernidade e utopia
“Oriente” e “Ocidente” em Gramsci
Terry Eagleton: A idéia de cultura
A cultura e as contradições do capitalismo
Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda
Ponto de vista antiimperialista
O que é a cultura?
A época neoliberal: revolução passiva ou contra-reforma?
As ilusões do pós-modernismo – Contradições
Toda atenção é pouca
Marcelo Freixo na TV Socialismo e Liberdade
Subordinação formal e subordinação real: ou como as idéias “entram no lugar”
A transformação socialista do homem
Os efeitos da “via prussiana” sobre a intelectualidade brasileira
O nacional-popular como alternativa à cultura “intimista”
O tamanho do desafio
O cinismo do discurso econômico
Noam Chomsky: A cara antidemocrática do capitalismo
Marx analisa a crise financeira
Eric Hobsbawm: A crise do capitalismo e a atualidade de Marx
Leda Paulani: entrevista sobre a crise
2 comentários:
Vitória do Espírito Santo, amém, 26 de outubro de 2008
Caríssimo Leandro Konder,
Tudo bem?
É com grande prazer que aprecio, sem moderação, um escrito, que nos remete ao tempo em que se nos proibiam e nos faziam patrulhar as obras dos chamados “inimigos de classe” tais como Casa Grande e Senzala, obras de Weber, o renegado X e/ou Y e etc. Só poderíamos ler a bíblia de Marx, não tão ortodoxo, Engels, Lênin e de outros continuadores ou refazedores da grandiosa obra.
Ultrapassada essa época de atraso que fazia questão de peitar o Iluminismo, somos brindados, neste século, com estes e outros artigos a afirmarem, endossarem, respaldarem, exortarem e outros arem a ler sobre tudo, sobretudo.
Afinal, mudamos de século, avançamos não só no tempo, como na busca incessante das verdades temporárias, encarando com seriedade e respeito o apaixonante labor de estudar os diferentes – não mais os ditos dissidentes e traidores da classe operária (não se incluía, aqui, o camponês) – até para robustecer e verificar se nosso método é melhor ou mais eficiente que o deles. Se nossa verdade é mais verdadeira que a deles.
Bons tempos, esse o nosso, por participar do debate, com liberdade, coragem e honestidade, mesmo não sendo mestres nem doutores, nem cardeais de Partidos. Até porque os intelectuais orgânicos de alguns Partidos parecem ter-se transformado em transgênicos (in ou felizmente, estes, Gramsci não conheceu) e estão a sonegar suas posições, opiniões, enfim, tudo aquilo que aprenderam em Universidades Públicas, deixando, covardemente, o Povo no abandono intelectual.
Lenadro, eu, Fernando e Formando da UFRJ, da gloriosa FND/CACO, não sendo Bobbio, bobo nem covarde, deixo aqui minha peruada, apondo como assinatura, meu polegar, reconhecendo sua sabedoria, coragem, humildade e honestidade.
Desejo que, seguindo sua grandiosidade e neste diapasão, “a classe intelectual vá para o Paraíso”.
Saudações socialistas, com plenas liberdades.
Fernando, O CLARO.blogspot.com
Caro Leandro,
Tudo bem?
Digitei de forma errada seu nome. Meus dedos se desentenderam no teclado. Estava com pressa.
Em minha defesa denuncio este farto cardápio, com ótimas matérias da Fundação Lauro Campos, que tanto tem feito para ilustar e estimular o debate.
Você foi o premiado, o contemplado de hoje, para sair no meu retumbante blogue, ensejando-lhe a oportunidade de ser conhecido tanto Brasil adentro como no estrangeiro...dando-lhe visibilidade e validação. Do blogue do OCLARO PAR O MUNDO!
Esqueci de lembrar da humildade do saudoso Florestan Fernandes e do Jacob Gorender, este, entre nós físicamente, em sua humilde cazinha.
Saudações,
Fernando, OCLARO ( eu presto bons serviços!)
PSB-VITÓRIA
Postar um comentário