Trata-se de desconhecimento e desinformação. O ato foi absolutamente ilegal e desnecessário aos interesses do país, enquanto estado de direito. Foi um retrocesso no amadurecimento do processo democrático.
O ato foi ilegal porque a condução coercitiva está subordinada a pré-existência de aspectos formais previsto em lei que inexistem no caso do ex-presidente da república. Trata-se de abuso de poder, porque o magistrado não agiu dentro dos limites da lei.
Como posso afirmar isso? Direito é bom senso. É fácil saber a diferença entre um tirano e uma autoridade. O tirano dita e interpreta a lei como lhe convém. A autoridade é uma pessoa revestida de poderes que atua dentro dos ditames da lei ou de sua investidura.
Aderir às justificativas que surgiram para tentar revestir a decisão do magistrado de legalidade ou necessidade é uma aposta temerária.
Uma aposta no cultivo da ignorância de muitos, na desinformação midiática de outros, na conivência vergonhosa de tantos, na capacidade de persuasão e engano dos que desejam aderir, na confusão política entres os três poderes da república e no crescimento da desordem civil para justificar a intervenção militarista para resolver o complexo de inferioridade de nossa cidadania.
Como um boi se come aos bifes, vamos fatiar a carcaça.
Cultivo da ignorância
Nossa república tem por base o Estado de Direito. O que em palavras simples é um pacto fundamental onde a lei rege e disciplina os poderes dos governantes eleitos, concursados, nomeados ou contratados...
No caso, o poder de determinar a condução coercitiva de qualquer cidadão está vinculado à desobediência de uma convocação na forma de ordem judicial formalmente descumprida.
É o caso da pessoa que é intimada a comparecer em juízo para depor e não obedece tal ordem. Trata-se de uma situação em que uma solenidade oficial da justiça é adiada ou suspensa para que a autoridade judiciária tome as providências para se fazer obedecer no exercício de sua autoridade.
Na antiga Roma, os magistrados eram acompanhados por oficiais chamados lictores que portavam um feixe de varas chamado “fasces” e podiam desamarrar o feixe e aplicar varadas sob o comando da autoridade.
Hoje, os juízes não mandam mais dar varadas nos cidadãos, como bem lembrou o Ministro Marco Aurélio Mello: “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros.”
A expressão condução coercitiva é a mesma coisa que ser conduzido sob vara. E é um procedimento degradante para quem é assim levado à barra da justiça, mas justificado pela desobediência à autoridade judicial.
Na nossa legislação existem duas previsões para condução coercitiva do cidadão (sob vara) contidas nos artigos 218 e 260 do Código penal: “A testemunha regularmente intimada que não comparecer ao ato para o qual foi intimada, sem motivo justificado, poderá ser conduzida coercitivamente.” E “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
No caso do ex-presidente da república que não desobedeceu uma convocação formal da Justiça, o uso da condução coercitiva implica, tecnicamente, numa prisão temporária sem a moldura adequada e configura um crime previsto em lei como o abuso de autoridade (Lei 4.898/65 + o artigo 350, parágrafo único, IV do Código Penal).
Uma eventual e futura constatação, comprovação e condenação do ex-presidente da república por prática de atos ilícitos não modifica a natureza dos fatos.
O uso arbitrário e ilegal do poder. O abuso da vara (dos Fasces) é que serviu para caracterizar o fascismo.
Desinformação midiática
O prejuízo das instituições aumenta quando se descobre que este abuso de poder deve ter ocorrido em outras fases da lava-jato. A ironia é que a informação vem a público para justificar o ato ilegal a partir de uma tese absurda: a condução coercitiva sem aspectos formais do Código de Processo Penal já aconteceu uma centena de vezes, como se a prática repetitiva do abuso de poder justificasse o descumprimento da Lei.
A justificativa de que a praxe justifica o abuso do poder é absurda. Basta refletir que a repetição de um estupro não modifica sua natureza ilegal. A repetição na escala das centenas só agrava o abuso.
Precisou que a vítima do abuso de autoridade fosse um ex-presidente da república para que o debate acerca do abuso da vara viesse a público e, espanto dos espantos, surgem juristas com teses de defesa do abuso de autoridade!
Estes juristas se sentem vinculados ao dever de apoiar os condutores da operação Lava Jato em defesa da moralidade pública.
Isso é uma tolice temerária, quando sabotam o edifício da legalidade.
A Mídia apresenta a questão como se fosse possível ver o abuso de autoridade cometido pelo magistrado sob diferentes óticas. Isso é mentira. É desinformação. É um desserviço à cidadania.
Nosso país enfrenta sérios problemas educacionais que facilitam o uso dos meios de comunicação para manipular a opinião pública desde a década de 50. (Vale a leitura da matéria “Mídias Dominadas”), please, se possível colocar o link.
Hoje para se obter “informação jornalística” de qualidade que a imprensa midiática não publica, é preciso buscar chats, blogs, sites ou ver documentários como os do Michael Moore e pesquisar livros como CRIME DE ESTADO de Marcelos Csettkey & Marcelo Gil (Talagarça 2006) sobre 11 de setembro ou The Jesus family tomb de Simcha Jababovici e Charles Pellegrino (Planeta 2007) ou o recente PORÕES DA CONTRAVENÇÃO que desnudam mitos políticos e midiáticos usados para manipular a população.
Este não é problema exclusivo do Brasil, Michael Moore (Stupid White Men) denuncia a concentração dos meios de comunicação nos EUA (fecharam mais de mil empresas) nas mãos de meia dúzia de conglomerados que são financiados pelas mesmas corporações que sustentam as classes políticas e com o agravante de que nos Estados Unidos 25% da população é de analfabetos funcionais, ou seja, não compreendem o conteúdo de questões com nível acima da 4ª série...
Conivência vergonhosa
Se nos EUA o analfabetismo funcional facilita a manipulação da opinião pública e atinge um quarto da população, no Brasil além de comprometer uma parcela significativa do eleitorado, a manipulação da população conta com todo o aparato construído durante as últimas gerações para desmontar o edifício de nossa soberania e conta com a conivência de parte das camadas mais altas da população comprometidas em atender aos interesses externos e defender sua zona de conforto.
A imprensa é um porta voz do poder econômico. A imprensa noticiou que o Ministro Marco Aurélio Mello foi admoestado pelos seus colegas de plenário no STF por ter repreendido a atuação do magistrado de primeira instância. O STF tinha obrigação de esclarecer tal notícia, bem como determinar a investigação dos atos do magistrado a frente da Lava jato por uma equipe de corregedores sob pena de conivência vergonhosa com destruição do Estado de Direito.
O ataque maciço da imprensa brasileira aos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, hoje podem ser analisados como uma preparação da população para aceitar uma ruptura da ordem jurídica. O papel do STF pode assumir duas vertentes: Ser um instrumento de intervenção externa como no caso da suprema corte do Paraguai, onde sancionou um impeachment sob bases forjadas com ajuda do FBI, em 12 horas. Ou ser a reserva da LEGALIDADE...
Tanto a ação ou omissão em defender o Estado de Direito é nada mais nada menos que perder a capacidade de se envergonhar e ser conivente com a ascensão do fascismo.
Capacidade de persuasão e engano
Uma leitura atenta do relatório final da Comissão Nacional da Verdade vai demonstrar que diversos grupos econômicos nacionais e multinacionais estiveram por trás da construção do golpe militar e se expandiram e se beneficiaram durante a ditadura. Não é difícil descobrir quem está por trás dos blogs que convocam as manifestações contra a atual presidente Dilma...
A leitura que os desinformados têm da ditadura militar é de ordem social e crescimento econômico, mas desconhecem o conteúdo real do que aconteceu. CUIDADO! Tanto em querer persuadir os outros a aderir ao golpe como na excessiva fé em si mesmo! Você poderá estar cometendo um engano...
A ditadura militar caçou JK e Lacerda que faziam oposição ao presidente João Goulart e apoiavam o golpe; Afastou milhares de oficiais e militares da ativa, nacionalistas e legalistas, entre 1964 e 1968, caçando as medalhas de combate de Moreira Lima porque este se recusou a derrubar o avião presidencial (fica aqui um aviso aos militares que assinaram um manifesto recente); destruiu os maiores empresários nacionais para atender interesses de grupos de apoio ao golpe; sistematizou a corrupção, pois onde vigora a tirania, a moeda de troca é o favor; institucionalizou o uso da tortura em todo o aparato policial; calou toda a oposição com sequestros, mortes, tortura e banimento; Hoje existe material suficiente para demonstrar que em vez do Brasil se tornar a 4ª ou 5ª potência mundial, fomos transformados numa república de uma subcultura ocidental midiática.
O aparato repressivo da ditadura militar silenciou quem tentou denunciar o maior escândalo de corrupção da década de 70 e o fornecimento de equipamentos para Itaipu era o maior contrato já assinado na história em números absolutos.
O poder Judiciário foi conivente com a ditadura em diversas etapas, no início quando decretou a falência da Pan Air e no final quando arquivou uma investigação policial aceitando a tese de suicídio do embaixador José Jobim.
É atribuído ao ministro da propaganda fascista Goebbels que uma mentira contada mil vezes se torna verdade. Acontece que a publicidade evoluiu com os estudos da neurologia e psicologia dos hábitos. E hoje, cada indivíduo pode ser manipulado para atuar na cadeia de poder dos elos fracos (Charles Duhigg), expandindo um protesto oriundo de um pequena parcela da população para se transformar num movimento social, como o da primavera árabe.
Então o exercício da cidadania hoje exige que cada um de nós busque compreender com profundidade o contexto e o processo político, seja para não pecar pela omissão, seja para não agir de modo irrefletido.
Muitas cabeças brancas têm me confidenciado que o confronto, a polarização, a violência e a desordem civil interessam aos patrocinadores do golpe para que eles obtenham a adesão das forças armadas (Se você é militar não se deixe manipular para trair o país. Já aconteceu duas vezes, a terceira é burrice).
Confusão política entres os três poderes da república
A campanha pró impeachment em bases ilegais (condenação das pedaladas fiscais) já demonstra que as pessoas estão comprometidas com a finalidade do processo e não com o seu conteúdo.
Quando o Poder Judiciário e a comunidade de operadores jurídicos sinalizou a carência de fundamentos, cresceu o interesse por outros métodos de interrupção do mandato da presidente Dilma e isso revela que nossa população é refém de uma manipulação.
Os 3 poderes estão confusos diante do terrorismo midiático. Nessa confusão, a presidente Dilma é quem exerceu o cargo com mais bom senso. Verificado que o Tesouro Nacional não tinha recursos para pagar o bolsa família, autorizou que a CEF fizesse o adiantamento que foi pago TRÊS dias depois. Porque condenar o Poder Executivo por feito isso e mascarar o que aconteceu com a pecha de “pedalada fiscal”?
Ah. É preciso contrapor o argumento de que o Bolsa família é um artifício para criação de um curral eleitoral entre os pobres. Isso é uma tolice fundada em preconceitos. O Brasil de 2003 tinha uma taxa de miséria absoluta de 15,2 % da população. Hoje, é de 5 %, ou seja, algumas pessoas não conhecem a máxima de Jango que tinha vergonha de ser rico num país de miseráveis.
É necessário fiscalizar o Poder executivo, mas o mecanismo de pesos e contrapesos é válido para os 3 Poderes. O Congresso Nacional votou uma lei para fazer auditoria das urnas eletrônicas mediante a impressão do voto numa caixa selada. O Supremo Tribunal Federal derrubou a legislação afirmando que esta auditoria de 3% das urnas violava o sigilo do voto e que o sistema era seguro, dois meses antes da empresa fabricante das nossas urnas ter seu nome envolvido num escândalo de manipulação de resultados de eleições investigado pelo FBI.
O Poder Judiciário recusou um controle externo do seu papel em presidir as eleições e o TSE agora está sendo acionado como uma alternativa ao pedido de impeachment...
Talvez o Poder Judiciário em vez de aceitar o assédio por diferentes abordagens para legalizar a interrupção do mandato presidencial, diante do abuso de autoridade agora notório do magistrado, devesse investigar o que ocorre na LAVAJATO que já expediu até o final do ano passado 119 mandados de prisão, dos quais 62 foram de prisões preventivas, e 57, de temporárias...
O Poder Judiciário brasileiro está consagrando práticas que ferem de morte princípios constitucionais como o da presunção de inocência, segundo o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), 191 mil pessoas se encontravam encarceradas sem julgamento no ano 2012, o que só deve acontecer em casos excepcionais. Quando 40% da população carcerária é de prisões preventivas e temporárias, alguém está falhando na administração da tutela jurisdicional.
Complexo de inferioridade de nossa cidadania.
O uso da mídia como publicidade ostensiva é uma estratégia de acusação identificada com o Ministério Público e, principalmente, com a Polícia em muitos países do mundo: diante da deflagração de uma operação policial, ou do início de um processo penal considerado importante, informações relacionadas aos casos, como trechos de depoimentos ou recortes de documentos, são enviados à imprensa para divulgação.
Isso se chama vazamento, uma especialidade do magistrado e dos promotores que presidem a LAVAJATO. Entre jornalistas, isso é considerado uma estratégia para “criar um clima” em torno do caso.
Normalmente, como a imprensa, por natureza, é muito mais rápida em emitir sentenças do que o Poder Judiciário, quando o caso finalmente vai a julgamento, certa opinião geral e generalizada a respeito do caso já está formada — e pressionar o juiz em uma ou outra direção fica mais fácil para quem está por trás da publicidade ostensiva.
No caso, o uso da publicidade ostensiva tem objetivado revestir de legitimidade os atos arbitrários e ilegais que cercam a LAVAJATO manipulando a opinião pública em favor da derrocada do Estado de Direito.
Jango respondeu mais de duas centenas de processos por corrupção e se defendeu e foi inocentado em todos eles. A inocência de João Goulart consagrada em todos os processos judiciais não teve o condão de evitar que a calúnia e a difamação fossem usadas como armas para a derrocada da democracia.
O incidente envolvendo o ex-presidente da república precisa ser investigado pelo Corregedor do Conselho Nacional de Justiça. A versão da condução coercitiva revela abuso de poder, mas talvez oculte ilegalidades expressivas que contaminem todo o processo legal.
Esta contaminação deve ser evitada agora antes que a nulidade processual seja mascarada pelo despudor ou àqueles que efetivamente devem responder por seus atos sejam beneficiados pela imprudência, negligência ou imperícia do Poder Judiciário.
É evidente que o processo está contaminado se as prisões preventivas e temporárias têm por base juízos antecipados de dolo e risco de cometimento de novos crimes com fundamento em delações premiadas... Além da cobertura adversa e desregulamentada das investigações pela imprensa. Porque? Somos novatos no uso da delação premiada, mas em termos práticos a delação só tem valor se conduz a revelação de provas contundentes que sustentem o que foi afirmado, sob pena de se transformar em artifício da arbitrariedade.
O país tem todo o interesse em varrer a corrupção da máquina do Estado, mas acontece que manipular este desejo natural dos cidadãos já foi uma estratégia utilizada por fascistas no passado, inclusive, para a derrocada do governo Jango.
Assim, registro o apelo pela defesa da LEGALIDADE e contra a manipulação de nossa CIDADANIA. E que prevaleça a correção de Jorge Hegel : Fiat Justitia ne pereat mundus (Faça-se Justiça para que o mundo não pereça) e não a versão adotada pelo imperador Fernando I, Rei da Hungria, Fiat Justitia et pereat mundus (Faça-se Justiça e pereça o mundo).
*Daniel Cunha é advogado e membro do Instituto João Goulart, autor da redação do texto de denuncia ao MPF que investiga a morte do Presidente João Goulart.
Fonte: Instituto João Goulart
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