O
STF diante de casos concretos, e o mito de ser em todas as suas decisões guardião da
Constituição.
Por
Fernando Claro Dias. Advogado.
Não
podemos prestar idolatria cega ao Supremo Tribunal Federal acatando suas
decisões não unânimes entendendo que assim estejamos a validar todas as suas
decisões como se fosse uma instância composta por deuses e/ou semideuses.
Venderam-nos
a ideia de que a justiça é justa e de que o judiciário é uma instância ideal
onde todas as mazelas da sociedade lá são julgadas, processadas e punidas
exemplarmente.
As
condições objetivas por que passa a sociedade desesperançosa, cada vez mais com
sede de justiça e ética enseja o desejo por uma decisão exemplar, rápida e
rigorosa.
O
STF quando julga um caso não pode ter a pretensão de nos convencer que todos os
seus julgados são incontestáveis impondo-nos o argumento de que suas decisões
são produtos fidedignos, fundamentados e motivados em todos os mais nobres, melhores
e mais coerentes princípios constitucionais. Teses antagônicas estão sempre
presentes neste ambiente que ora é dado a conhecer à sociedade, ao vivo.
Os
embates na defesa de entendimentos estão sendo expostos como nunca se pôs na
história.
A tensão é permanente e é natural que discussões acaloradas aconteçam
e que suas Excelências se exaltem uns com os outros a ponto até da agressão
verbal, e para o lado pessoas.
A
toga, a liturgia das sessões e o tratamento cordial que todos os atores devem
ter uns pelos outros, inclusive em igualdade de condições, sem hierarquia em
relação aos advogados tudo isso tem servido para desnudar a caixa preta do
Judiciário, e o ser humano de forma passional e com sede de uma sentença imediata
incentivados pela mídia causam uma pressão enorme em todos os ministros da Alta
Corte, procurador, advogados, partes e funcionários.
Este
momento é ideal para demonstrarmos que há seres humanos desempenhando cargos de
ministros, portanto passíveis de estarem sujeitos a todas as paixões humanas,
ideologias até por que a Constituição é elaborada por outros seres humanos que carregam
dentro de si variadas visões quer ideológica, econômica, política, filosófica,
religiosa, antropológica e outras mais.
Impõe-se
registrar a tarefa hercúlea, árdua, sobrenatural que recaiu sobre o STF com a
responsabilidade de julgar conforme a Constituição e demais leis
infraconstitucionais a Ação Penal n. 470, o tal do mensalão, com seus mais de
50 mil documentos para serem analisados, estudados e confrontados, um por um, -
documentos inclusive que devem ser analisados por peritos, que são humanos e
falíveis também.
Eu
expresso o meu respeito cívico em relação ao STF, discordando frontalmente do
procedimento com que vem sendo tratada a Ação n. 470 pela mídia, e pelos
próprios ministros em razão até de decisões não unânimes dos votos tais como, por
exemplo, o placar de 6 a 4, e o de ontem 4 a 4 que ainda podem ser modificados.
Certamente
é bastante desconfortável e motivo de preocupação sermos levados a suspeitarmos
que a mais Alta Corte de Justiça do Brasil, a última instância, esteja, em tese,
sendo imparcial, submetida a uma série
de pressões, e sob a acusação de estar cedendo a pressões da grande mídia, dos
seus patrocinadores e seus interesses, dobrando-se a vaidades, ao preço do constrangimento
de estar inovando em matéria jurisprudencial do próprio STF.
Criticar
de forma técnica e responsável o STF, seus ministros e suas decisões não unânimes é tarefa cívica daqueles que desejam um
Poder do Judiciário cada vez mais célere em suas decisões, mas preservando a
autonomia, independência e harmonia com as demais instituições e Poderes da
República, sem a sobreposição de um Poder sobre outro.
Diante
disso o que me encoraja e estimula neste momento é demonstrar para a sociedade que
os ministros são seres humanos, orientados por suas paixões, – mesmo treinados,
disciplinados, e conscientes do seu elevado saber jurídico, e honestos com seus
nobres compromissos morais na busca da verdade real com total objetividade, e
servindo de exemplo para o Brasil e o mundo.
Desta
forma é preciso termos sabedoria e bondade diante das falhas que ocorrem para
serem reformuladas, revistas, mas nem por isso podemos aceitar o desrespeito
com qualquer Poder da República.
Este
é um momento em que a sociedade deve analisar os fatos com prudência, cautela e
responsabilidade, pois não houve, não há e não haverá no mundo Instituição que seja
infalível, que não se equivoque, pois o erro é da essência do ser humano.
O
texto abaixo reproduzido foi elaborado por José Afonso da Silva, um dos maiores Juristas constitucionalistas do
Brasil, e explica muito bem como o STF apesar de ter a incumbência de ser o guardião
da Constituição não colhe este êxito em razão da própria Constituição Federal.
“É
certo que o art. 102 diz que a ele (STF) compete, precipuamente, a guarda da
Constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda dos
valores constitucionais (pois, guardar a forma ou apenas tecnicamente é falsear
a realidade constitucional) com sua função de julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (base do
critério de controle difuso), quando ocorrer uma das questões constitucionais
enumeradas nas alíneas do inc. III do art. 102, que mantém como Tribunal de
julgamento de caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da
lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova. Não
será, note-bem, por culpa do Colendo Tribunal, se não vier a realizar-se
plenamente como guardião da Constituição, mas do sistema que esta própria
manteve, praticamente sem alteração, salvo a inconstitucionalidade. Reduzir a
competência do STF à matéria constitucional não constitui mudança alguma no
sistema de controle de constitucionalidade no Brasil.”
José
Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª edição, pág. 555
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