04/12/2010 - 20h10 - Atualizado em 04/12/2010 - 20h10
Entrevista André Garcia, Secretário Estadual de Segurança Pública
A GAZETA
por Vilmara Fernandes
vfernandes@redegazeta.com.br
"Ninguém toma conta de território no Espírito Santo"
O secretário de Segurança Pública André Garcia é taxativo ao afirmar que não acontece no Estado o que se viu no Rio de Janeiro, que precisou de tropas federais para enfrentar o poder paralelo dos traficantes. Aqui, assinala Garcia, o acesso das policias aos bairros não é negado.
"Ninguém passa por cima da polícia", garante. Na entrevista abaixo, ele diz que há uma pequena queda - de 10% - na elevada taxa de homicídios e que contribui para isso o fato de poder atuar sem interferência política. Agora, Garcia prepara-se para assumir, no novo governo, a Secretaria de Ações Estratégicas, onde vai coordenar um comitê que envolve outras três pastas - Segurança Pública, Desenvolvimento e Direitos, e Gestão do Sistema Penitenciário - cujo objetivo é a prevenção e a redução da criminalidade.
O governo vai encerrar a gestão sem conseguir reduzir a elevada taxa de homicídios.
Se avaliarmos a taxa de homicídios por 100 mil habitantes dos últimos 20 anos, é possível constatar que o Estado sempre esteve acima da média nacional. E ela tem se estabilizado em níveis altos. Terminamos 2009 com 2.034 homicídios, o que é muito alto, uma verdadeira tragédia para o Estado. Considerando o comportamento dos números nos últimos cinco anos, fecharíamos 2010 com um total de homicídios próximo a 2.200. Mas considero que estamos chegando a um momento em que os primeiros resultados começam a aparecer.
Quais?
Vamos terminar 2010 com pouco mais de 1.800 homicídios. Quase 10% a menos do que no ano anterior. Uma tendência que seria de ascensão desses números e que começou a mudar a partir de abril. A exceção foi outubro, um mês em que historicamente há um aumento de homicídios. Mas encerramos novembro com queda, com 138 homicídios, menos do que os 156 registrado no mesmo mês, em 2009.
O que foi feito para mudar esse quadro?
Estou colhendo os frutos dos investimento que foram feitos, do aumento de efetivo com a realização de concurso para várias áreas. Também tive garantia de trabalho, sem nenhum tipo de intervenção política. Sou blindado para trabalhar. E acho que contribuímos para construir um ambiente de colaboração entre as policiais, o que permitiu que tivéssemos um sistema de monitoramento mais efetivo. Estabelecemos um foco claro na redução de homicídios.
Outras taxas, de assaltos, de roubos, também caíram?
Há uma redução discreta e estamos acompanhando. Uma pesquisa recente do Instituto Futura indica que houve uma redução do número de pessoas vitimas de violência na Grande Vitória, em relação ao ano anterior. Porém, a sensação de insegurança dos moradores aumentou.
Por que essa redução das taxas não chega às ruas?
Pode parecer uma contradição, mas não é. A violência está presente no dia a dia, na vida das pessoas, independentemente de haver redução nas taxas, ou não. Somos pautados por ela. É uma das poucas pastas que tem página permanente nos jornais. Ao mesmo tempo há uma característica nossa de transferir para o nosso mundo eventos que acontecem fora do território capixaba. Um exemplo é o que acontece no Rio de Janeiro, onde há uma evidente demonstração de poder paralelo, um domínio do território cujo acesso era negado ao Estado. Isso não acontece no Espírito Santo.
Mas podemos enfrentar problemas semelhantes?
Improvável. Nossa realidade é diferente. Adotamos uma série de medidas - como o bloqueio e fiscalização das divisas, uma troca de informações com o governo do Rio de Janeiro -, tudo para manter a integridade do nosso território, mas repito: aqui bandido não tem domínio territorial.
Nem com o crescimento do tráfico?
Há situações em que você tem um tráfico intenso, mas à polícia não é negado o acesso e nem deixamos de fazer as operações regularmente. Ninguém toma conta de território no Espírito Santo. Ninguém passa por cima da polícia. Se houver necessidade de intervenção, vamos fazer e não vamos precisar de apoio de força federal.
E o crack?
Nas motivações, principalmente dos homicídios, a participação do crack é alarmante e tem contribuído muito para que ocorra mortes. O governador eleito Renato Casagrande está muito preocupado. É uma das atribuições da nova pasta que irei ocupar. Vamos fazer um levantamento de todas as ações, de todos os projetos de prevenção ao uso de drogas, acompanhar e monitorar o resultado desses projetos. O objetivo é minimizar os efeitos dramáticos do consumo de drogas e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar mecanismos que visem a coibir o tráfico.
Deve haver diferença de ação em relação a usuário?
O usuário precisa ser tratado, mas também precisa receber uma reprimenda pela posse e pelo uso. Não defendo a restrição de liberdade, mas é preciso passar uma mensagem clara de que o consumo de drogas leva ao caminho da morte ou da prisão.
O perfil do crime, no Estado, mudou?
A pistolagem perdeu força para o tráfico. Os homicídios, em sua grande maioria, estão relacionados ao tráfico de entorpecentes. Mas existe um percentual elevado, de 20% a 30%, que o professor Claudio Beato chama de homicídios impermeáveis à ação policial. São aqueles que acontecem independentemente da ação policial, como os passionais, os crimes de proximidade, de vingança.
E a nova secretaria?
Vamos coordenar um comitê gestor que envolverá outras quatro pastas: Segurança Pública, Gestão do Sistema Penitenciário e Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. O objetivo será trabalhar para cumprir as metas estabelecidas por um dos dez eixos estratégicos da nova administração, que é a redução e prevenção da criminalidade.
Muitos perderam familiares vítimas de violência este ano. O que devem esperar das novas ações de segurança?
Tenham certeza de que, mesmo estando em um gabinete, não somos insensíveis ao sofrimento das pessoas. É nossa preocupação diária evitar que isso aconteça. Diria que esforços estão sendo feitos para que haja uma redução nas situações que levaram as pessoas a sofrer. Porque, infelizmente, não podemos dizer que as mortes vão acabar. Mas trabalhamos para que haja uma redução.
Trajetória
Torcedor. As cores até podem ser parecidas, mas André Garcia não é torcedor do Flamengo, e sim do Sport Club do Recife, de Pernambuco. A bandeirinha (ao lado) é um dos objetos que levará para a nova secretaria, junto com medalhas e a foto dos filhos estampada em uma pequena almofada. Para desestressar, gosta de correr 10 quilômetros por dia. Só não revela os locais por segurança.
Vida. Casado, pai de dois filhos, Garcia se graduou em Direito na Universidade Federal de Pernambuco, onde fez especialização na mesma área. O mestrado foi realizado na Universidade Católica, também de Pernambuco.
Atuação. Foi membro da Força Aérea por 10 anos, antes de ser procurador de Pernambuco, onde também foi secretário-executivo de Defesa Social. Em 2008 veio para o Estado, onde assumiu a Subsecretaria de Integração. Em abril deste ano tornou-se secretário de Segurança Pública. Na próxima administração vai ser o titular da Secretaria de Ações Estratégicas.
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